sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Olhar de viés



tivera os olhos bem abertos
o real não teria esta rusga arredia
a pele do mundo talvez fosse mais lisa

tivera-os bem fechados
não ouviria o estrépito do gesto espasmódico
se intrometendo na visada involuntária

olhar inesperado

de esgueia


                                   


imagem                     
que     escorrega
             
 para o canto



         do mundo

                                                                  
num esgar
            apertado


no canto do olho


inesperado cisco


sobe à retina esgarçada
ali não fica mais que um átimo
suficiente para assombrar no porão
a perene imaginação sob o régard

e  num relâmpago irromper nas rachaduras do daydreaming

risco ruidoso que rasga o véu viscoso da vigília
distraída no limiar entre o céu e a bomba do posto de gasolina
entre o azul e o cartão de crédito


miragem de escanteio
                                      na visada da córnea
mirada de corner
                        diagonal
                                      deslize de íris oblíqua                                   
                                                                                              
pupila deslocada catando o pedaço de espaço que não coube no tamanho do instante:
espectro infame de um fantasma estrábico  a girar no globo vazado

não houvera desejos o dia seria raso
as pontas do olhar anguloso se encontrariam
o tempo não escorreria para dentro da moldura
e aquela imagem vesga não ficaria ali
presa de viés em vez de fugaz
seria soprada ao invés de cingir-se aos cílios
arranhando a superfície vítrea sob a pálpebra musgosa

(out/2010)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Novus orbis nascitur ordo




o fruto podre precipita
em toda sua vã glória corrupto
enquanto o velho visionário enclausurado
com voz surda o final abrupto antecipa
e da mais funda e ignota natureza
uma criança inocente grita

um novo Ulisses transfigurado
que conduzirá num périplo a humanidade fraca
em sua nave sob um novo fado
no sempre horizonte a mesma Ítaca
enquanto o mortal peso da incerteza
fará confundido
lado a lado
o certo e o errado
o rei e a massa
o vaso e o iconoclasta

o vaso certo o rei errado a massa iconoclasta


(mai/1996)

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Na estrada




em frente camarada
tira de um alento
o teu mais caro sustento
faz do instante tua morada
fita ao longe o horizonte
o que foi sombra ontem
amanhã será nada

finge um sentimento
finca um pensamento
esquece o desalento
verifica o tempo
o rumo do vento
e pé na estrada

(abr/1985)