terça-feira, 18 de setembro de 2012

Um bom poema (Paulo Leminski)





     um bom poema
leva anos
     cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
     seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
     sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
     três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
     uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Um dia (Paulo Leminski)

                                   

                            

                            um dia
                            a gente ia ser homero 
                            a obra nada menos que uma ilíada 

                           depois a barra pesando 
                           dava pra ser aí um rimbaud
                           um ungaretti um fernando pessoa qualquer 
                           um lorca um éluard um ginsberg 

                           por fim 
                          acabamos o pequeno poeta de província 
                         que sempre fomos
                          por trás de tantas máscaras 
                         que o tempo tratou como a flores

domingo, 2 de setembro de 2012

Joyceana


1.


no início de tudo era ela – Eva primeira mãe de todas –
seu ventre sem umbigo estendia-se como ovalada planície
com a azáfama de parir
prenhe de miríades de hipocampos em sua bojuda pança hermafrodita
a partir de um invisível onfâlo
ela era também ele de tanta impregnação
a ele uniunidaconsubstanciadamente apesar de

mulher primeva já era desde sempre
em sonhos me visita de raro
quando nada falamos, apenas deitamos silentes e
mudamente ficamos rentes roçando nossas auras reunidas
inunda-se a noite de pirilampos
e iluminado de imenso
quedo-me embasbacado depois por dias colando cacos - 
fragmentos de sua silhueta lucívora até que só restam sombras

2.

vegetissombras flutuavam silentes na paz outonal
uma voz de dentro borbulhou 
pare de remoer esse moinho
disse.
eu cantava sozinho em águas amargas, sustendo os longos acordes musgosos
de rumorosos remorsos verdemuco
o espalho do céu triscava lucífugas flechas no tremulazulado véu da tarde

subitouvi sua voz dela. Seus olhos sobre mim
emborrascando todos seus traços dela
rosnou com rascante voz rouquenha
no que ficou parada – vestuta vestal

3.

recomposto cruzei o umbralino deserto
na escuridão de minha mente uma preguiça do inframundo
avessa à claridade relutando, re-lutando
remexendo minhas dobras escamosas de dragão 
Puff no sótão de jackie paper esquecido

a alma é tudo o que é: a forma das formas
inelutável modalidade do visível


4.

contando as maneiras do seu olhar dela
para ler a assinatura de todas as coisas
signos coloridos nos limites do diáfano
ando, adianto uma pernada por vez, epifanando pouco-a-pouco
day in day out that same old voodoo follows me about
Ella bruxa
day-in-day-out I drag on
eu-dragão
minha espada de freixo pende a meu lado e desde
uma escarpa que se salta de suas bases miro
o véu azulargênteo e imagino-a com cinzas em seu hálito
e o plúmbeo aroma exala de seus pelos dela
do corner do meu olho vejo
uma mosca diafanando sobre seu oblongo nariz
revejo: a mosca se foi mais a bruxa

a inelutável modalidade do invisível

aí está: o tempo sem ela. Sempre o será.
o mundo sem fim

(out/2008)