quinta-feira, 30 de agosto de 2012

ICEBERG (Paulo Leminski)



Uma poesia ártica,
     claro, é isso que desejo.
Uma prática pálida,
     três versos de gelo.
Uma frase-superfície
    onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
    Frase, não. Nenhuma,
Uma lira nula,
    reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
    a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
    nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?).
    Sim, inverno, estamos vivos.

A Piedade (Roberto Piva)




A PIEDADE

Eu urrava nos poliedros da justiça meu momento
                                                    [abatido na extrema
paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
                                                       [luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
      aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
                                                       [cu-de-ferro e me
     fariam perguntas por que navio bóia? por
     que prego afunda?

eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
                                                        [estátuas de
     fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
                                                    [pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
                                                    [que tenho
     todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
                                                [pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
                                                 [asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
                                                   [dos meus sonhos


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

never more




no cruelty no hatred no fear
not even a single tear or a pale smile
will be worth in a heart of crystal

no passion no bleeding fire
not even a sign of desire
never a trace of delight or despair on an eyesight
perhaps a message of  best regards left
in absent written words

no promises no confidences
not even true lies said in a confident voice
no giving-ups  no starting-overs
no more expectations
memories no more
perhaps a pair of broken wings

no more a wishful breathing
oh never more
a slight quiver in this corpse
never


(jun/2002)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012




Sob o signo de Leão, Caetano chega aos setenta.

Nascido em 1942, em Santo Amaro, interior da Bahia, Caetano Veloso completa 74 anos no dia 7 de agosto. É um dos principais cantores, compositores e violonistas brasileiros. Mas poderíamos ir além e dizer que é um criador de estilos e tendências. Esse baiano superbacana é qualquer coisa, beleza esperta, que desde a década de 60 tem renovado constantemente seu repertório, verdadeiro camaleão da música popular brasileira.
Quando surgiu para o público maior, que assistia aos festivais da Record nos anos 60, causou alvoroço com a canção Alegria alegria. Mostrou que vinha para caminhar contra o vento, sem lenço e sem documento, no coração do Brasil. Nos tempos sombrios da ditadura militar foi um guerrilheiro cultural, já que sem livros e sem fuzil, incomodava pelo brilho da sua inteligência que denunciava o nosso anacronismo. Com um ritmo novo e bárbaro, atravessado por influências como a Bossa Nova, o Baião e o Rock, suas canções mostravam que, por detrás do monumento de papel crepom e prata, erigido no planalto central, uma criança sorridente, feia e morta estende a mão. Era a tropicália, que explodia como uma granada, revelando o abismo entre o sonho de um país moderno e a realidade de um Brasil arcaico. Não tardou para que o governo dos generais o convidasse a deixar o país.
 Em 1969, ele e Gilberto Gil, seu companheiro desde os primeiros tempos em Salvador, foram para o exílio em Londres.  Os dois tornaram-se parceiros na música e na vida, e atravessaram juntos aquele período turbulento da história do país. De volta ao país, em 1972 retoma a sua produção. A década de 1970 foi muito importante para a carreira de Caetano, e para toda a MPB. Entre as canções de Caetano mais representativas desse período estão algumas como Odara, Um índio, Oração ao tempo, Tigresa, Terra, O leãzinho, que são verdadeiras obras-primas do cancioneiro da nossa MPB.
Suas qualidades como compositor fazem dele um grande poeta da Língua Portuguesa. É inegável que em suas letras a sua língua roça a língua de Camões. Mesmo em letras aparentemente simples, despretensiosas, como O leãozinho, para ficar num exemplo, uma leitura mais atenta revela sua potência poética. Eis a letra:


Gosto muito de te ver, Leãozinho
Caminhando sob o sol
Gosto muito de você, Leãozinho

Para desentristecer, Leãozinho
O meu coração tão só
Basta eu encontrar você no caminho

Um filhote de leão, raio da manhã
Arrastando o meu olhar como um ímã
O meu coração é o sol pai de toda a cor
Quando ele lhe doura a pele ao léu

Gosto de te ver ao sol, Leãozinho
De te ver entrar no mar
Tua pele, tua luz, tua juba

Gosto de ficar ao sol, Leãozinho
De molhar minha juba
De estar perto de você e entrar numa


Vemos, logo na primeira estrofe, a aproximação e, consequentemente, a associação da figura do leãozinho com a do sol. Sol e leão, leão e sol, uma relação que é retomada ao longo da letra, criando um efeito não apenas de reiteração, repetição, mas também de coesão temática.  Assim, o “filhote de leão” é associado diretamente a“raio da manhã”, e mais indiretamente logo adiante no verso “Quando ele lhe doura a pele ao léu”, o pronome “ele” refere-se ao sol, o astro-rei do nosso sistema, como também é o leão rei das nossas selvas. Sem nos esquecer que o sol é o astro regente do signo de Leão, ou Leo (em latim), retomado pela palavra léu, que significa “inação”, “ócio”, mas cuja sonoridade aponta para a raiz da palavra leão (Leo). Na última estrofe, temos outra alusão ao grande felino no verso “De estar perto de você e entrar numa”, em que podemos ver na palavra numa, além da contração da preposição em + o artigo  uma, o possível substantivo próprio Numa, nome da leoa de Tarzan, um seriado muito popular na televisão na década de 70. As caras e os coroas hão de lembrar-se.
Por essas e outras é tão bom ouvir Caetano e entrar numa, para desentristecer o nosso coração e tudo ficar odara!
http://www.youtube.com/watch?v=M_X7G-33JDo

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Campos & Espaços





Campos
            alfa                      
                                                                                      estelares
                                                                        
                                                                          (anche le stelle muiono...
supernovas
                                                           fótons                           
quarks                    quasares             
um átimo no hálito etéreo

                                             fecundantes campos de centelhas
                                           semeados de luz fáustica
                       chispas 
         faíscas fagulham
no breu circundante

e num vão piscar                            de olhos
                         vão num riscar                         
                                                                                                    de estrela                                                                                                                                                         
                                                                                                                      cadente                                                                                            
num vão                            

                  entrementes

                                                        entretantos 

 ômega


(ago/1999)