domingo, 1 de janeiro de 2012

Os abutres




Os abutres



Eles estão por toda parte e aos bandos
Rancorosos observadores
Onde quer que haja uma carcaça
Eles pousam e estudam cuidadosamente
Para se certificarem sobre o morto

(Passivo incapaz de defender-se)

Aproximam em grande alvoroço
Para repartir o almoço

O urubu-rei fica com os olhos
Afinal em terra de urubus quem tem os olhos é o rei
Outros querem a visão
Mas acabam entrando pela cloaca
Dissecando cabalmente as entranhas
Do boi-morto
sem sucesso
Porque o boi-inefável sumiu no redemoinho


Espiral



rumo aos confins
                             afins
                                         sem fim
                                          enfim
                              sumo
                         assumo
me consumo


numa
            espiral
                         sem freio
num
           devaneio
                           astral


mitos cabalísticos
gritos apocalípticos
tempos crípticos

genes mutantes
imagos aberrantes
estranhos transtornos

mônadas emanadas
caos em camadas
eternos retornos

astros
           grãos de areia
átomos
átimos
           cantos de sereia
rastros
                                                                     de um sonho monolítico




Promenade


A caminhada ao fim da tarde

Flanêurs alienigenados
Absortos em sua deambulância
Inscrevem no espaço urbano
Sua divagação sinuosa

Outros personagens outros nomes

Distração atenta a (re)visitar esquinas
Vitrines espelhos becos
Intersecções da memória
Outros espaços outros tempos

Na anamnéstica ebulição
Da deglutição estésica
O tempo de estar desmemoriado
Outros diálogos trans/instantes

Le coq


um galo só
        um só galo
               só um galo
basta para rasgar a manhã

acorda acorda acorda acorda acorda acorda!

Desfabulação

o começo é um pretexto
não se sabe onde vai dar
afinal o desfecho

como desfazer o dito?
como dizer o desfeito?
o inefável não é falável
e a fábula, ao final, é falível.

Só para os raros

Ó tu, grande Louco
Ó Cruz e Sousa, Ó Whitman
Ó Alvaro
Grita, ó Insano
Eia, eia, eia eia, eia, eia!
uuuuuhh, uuuuuhh!
Quando paras de falar
e começas a berrar nos céus do mundo
as labaredas de tua língua
ardem nas florestas da noite


Ó Grão-Louco
quando te tornas uma só voz com os miseráveis
quando a insônia te consome
e te contorces e gemes e gritas
e nonsenses são incinerados na fornalha de teu cérebro
e as palavras fogem de tua voz incandescente

Ó Tiger, Tiger
quem te criou?
Eia, eia, eia eia!
uuuuuuuuhhhh, uuuuuuuhhh!

Ó louco Jogador
no bulet no bullet no bullet
no time left na roleta russa
Click!click!click! click!

BANG!

Ó grande Louco
Ó Xamã
Baba ganga guzu
tocam os tambores no teto do mundo
musique non stop!

Vem, ó Encoberto
vem, ó Esperado-desde-muito
Orixá-primeiro-muito-antes
de qualquer ordem
saravá-vá-vá-vá-vá!
dança, dança, dança!
gira gira gira giragiragiragira
Ó grande Sufi
que não pare a música
Ó grande Shiva
dança dança dança
nos telhados da cidade dormente
canta e grita
grita mais alto
IIIIIUUUUUHHH!
Eia! Eia!


(Jul/1996)